Neste artigo vamos falar sobre a perda auditiva que surge com a idade, como ela se apresenta assim como os potenciais tratamentos e o resultado do mesmo. Antes de tudo, no entanto, vamos discutir sobre aspectos teóricos da audição, buscando mostrar a importância dessa doença.
A perda auditiva é um problema relevante?
A perda auditiva secundária a idade determina impactos sociais e econômicos importantes e em virtude do envelhecimento populacional vem se tornando uma questão de saúde pública(1). Estima-se que dois terços da população Norte Americana com 70 anos ou mais tenha algum grau de perda auditiva mas menos de 20% recebem tratamento adequado (1,2). O peso econômico em virtude de perda auditiva gira em torno de US$3.000 por pessoa por ano (3,4). No entanto, o maior impacto é para saúde mental, cognitiva e social do paciente, tendo em vista que diversos estudos mostram forte associação entre perda auditiva e demência, inclusive Doença de Alzheimer (5).
Aspectos Teóricos
Para quem lembra das aulas de física, sabe que o som é uma onda mecânica. Em outras palavras ele é uma vibração que se propaga através do ar movendo molécula atrás de molécula, percorre o canal do ouvido, induz a vibração da membrana timpânica, da cadeia ossicular e finalmente entra dentro da cóclea (figura 1).
Figura 1 - Esquema das estruturas auditivas. Da esquerda para a direita o som chega pelo canal do ouvido, induz vibração da membrana timpânica e da cadeia ossicular entrando na cóclea. Dentro da cóclea existem milhares de pequenas células com micro-pêlos, chamadas de células ciliadas. Esses cílios (pequenos pêlos) captam a vibração do som. Existem 2 tipos de células ciliadas, as externas e as internas. As células externas quando percebem a vibração amplificam a mesma. Já as internas, transformam esse estímulo em energia eletroquímica que é transmitida até o cérebro pelo nervo coclear.
Uma vez na cóclea o som estimula as células ciliadas. As células ciliadas externas amplificam a vibração para que as células ciliadas internas possam ser estimuladas. Estas funcionam como um botão de descarga, ao ser "pressionada", ela libera energia para o nervo coclear e gera um impulso nervoso que vai até o cérebro e por ele é interpretado como audição. Com o envelhecimento há uma morte das células ciliadas, e àquelas que captam vibrações de frequências agudas (sons mais finos) morrem antes. O resultado é uma menor amplificação dos sons agudos, sem tanto comprometimento dos sons graves.
Escuto mas não entendo
Como a perda auditiva pela idade (presbiacusia) costuma ser pior em frequências agudas, é comum pacientes referirem dificuldade para entender e não raramente dizem que escutam bem, mas que as pessoas é que não tem boa dicção e falam "enrolado". Isso acontece pois as palavras são compostas por fonemas mais graves (som "grosso") e agudos (sons "finos"). Fonemas como os das vogais são graves já outros, como de consoantes fricativas, são agudos como o som do /s/, do /z/ e do /ch/. Experimente imitar esses sons e você vai perceber.
Sendo assim, um paciente com perda auditiva em agudos, ao ouvir a palavra "Rouxinol" só reconhece os sons "Rou_Nol" que não tem significado nenhum e logo a pessoa não entende.
Obviamente que o ambiente e a forma como a conversa se desenrola tem um fator essencial na percepção da dificuldade auditiva. A fala pausada em ambiente silencioso e com volume moderado facilita a compreensão. Além disso, a leitura labial desempenha um papel crucial na nossa comunicação e muitos aprendem a usar esses recurso para manter alguma atividade de vida. Dessa forma, não é raro, o paciente negar dificuldade auditiva e "fugir" do otorrino
Não ouço, e agora?
O primeiro passo diante da possibilidade de uma perda auditiva é a avaliação por um otorrinolaringologista. Muitas vezes, a perda auditiva pode não ser secundária a idade, mas consequência por exemplo um acúmulo de cera ou catarro preso dentro do ouvido. Com o exame otoscópico, o especialista é capaz de excluir essas alterações e, em conjunto com a História Clínica e um exame audiométrico, definir o diagnóstico.
Uma vez feito o diagnóstico, o tratamento da Presbiacusia é o uso de aparelhos de amplificação sonora individual (AASI), o famigerado "Aparelho de Ouvido". O AASI é um dispositivo que capta o som do meio ambiente e amplifica, isto é, aumenta o volume. Todavia, diferente de uma caixa de som simples, o AASI é capaz de amplificar de formas diferentes sons de frequências e timbres diferentes, se adaptando individualmente à perda auditiva da pessoa. Além disso, ele é capaz de suprimir ruídos do ambiente e mudar suas configurações conforme esses ruídos. Apesar de todas essas tecnologias, o processo de adaptação ao aparelho é um continuum e cheio de obstáculos. O usuário também aprende com o dispositivo e com o tempo o cérebro se adapta às limitações tecnológicas.
Se eu não usar aparelho vou ficar mais surdo?
O aparelho auditivo não é capaz de parar a perda auditiva pelo envelhecimento, assim como um óculos não é capaz de impedir a evolução da perda visual pela idade. Todavia, diversos estudos mostram que o uso do aparelho auditivo reduz o declínio cognitivo e a chance de desenvolver demência(1,3,4). Além disso, conforme a perda de audição aumenta, o processo de adaptação a um aparelho auditivo se torna mais difícil e a capacidade de compreensão de fala se deteriora mais rápido.
Algumas hipóteses existem para a associação entre perda auditiva e declínio cognitivo. Uma delas é a hipótese da "sobrecarga cognitiva"(5). Quando precisamos entender alguma coisa ou raciocinar, nosso cérebro precisa pegar essa informação e processar com outras que temos em nossa memória. Segundo essa hipótese, uma pessoa com perda auditiva é obrigada a se concentrar em entender o que o outro está dizendo em detrimento do processamento da informação ouvida. É como se você estivesse tentando resolver uma palavra cruzada vendo o jornal na TV, alguma das duas ações acaba prejudicada. Com o tempo, o cérebro se especializa em tentar entender palavras e perde plasticidade em raciocínios complexos. Uma outra possibilidade é a teoria da redução do input (5). Para que o nosso cérebro se mantenha saudável, assim como o nosso corpo, ele precisa de estímulo. Se paramos de exercitar o corpo, o músculo enfraquece, no caso de quem tem perda de audição há menor estímulo do cérebro por menor entrada de informação por meio da audição.
Independente da teoria, uma coisa é certa: A perda de audição não tratada piora a capacidade produtiva, intelectual e social.
Agora que você já sabe tudo sobre perda auditiva, compartilhe essa informação com seus familiares, amigos e quem mais achar que precise dela. Lembre-se: a saúde auditiva e saúde mental andam juntas.
Sobre o Autor
Tomás Filipe Pellegrini Lopes é médico otorrinolaringologista da Otoliv.
Especializado em Otologia e Neuro-Otologia pela Santa Casa de São Paulo, atualmente é Mestrando em Saúde da Comunicação Humana e está desenvolvendo uma tecnologia para auxiliar na condução de pacientes que falham na triagem auditiva neonatal.
Bibliografia
1 - Huddle, M. G., Goman, A. M., Kernizan, F. C., Foley, D. M., Price, C., Frick, K. D., & Lin, F. R. (2017). The Economic Impact of Adult Hearing Loss. JAMA Otolaryngology–Head & Neck Surgery, 143(10), 1040. doi:10.1001/jamaoto.2017.1243
2 - Nieman, C. L., & Oh, E. S. (2020). Hearing Loss. Annals of Internal Medicine, 173(11), ITC81–ITC96.
3 - Jafari, Z., Kolb, B. E., & Mohajerani, M. H. (2019). Age-related hearing loss and tinnitus, dementia risk, and auditory amplification outcomes. Ageing Research Reviews, 56, 100963. doi:10.1016/j.arr.2019.100963
4 - Foley DM, Frick KD, Lin FR. Association between hearing loss and healthcare expenditures in older adults.J Am Geriatr Soc. 2014;62(6):1188- 1189. doi:10.1111/jgs.12864
5 - Uchida, Y., Sugiura, S., Nishita, Y., Saji, N., Sone, M., & Ueda, H. (2018). Age-related hearing loss and cognitive decline — The potential mechanisms linking the two. Auris Nasus Larynx. doi:10.1016/j.anl.2018.08.010
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